quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Fazer Nada

Olá, pessoas!
Eu fiquei sabendo do blog e resolvi mandar um texto que eu gosto muito.
Até mais.

Mayara, 2º Delta, EM
(http://www.poemassaotexturas.blogspot.com)

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FAZER NADA

Rubem Alves

A manhã está do jeito que eu gosto. Céu azul, ventinho frio. Logo bem cedinho convidou-me a fazer nada. Dar uma caminhada – não por razões de saúde, mas por puro prazer. Os ipês-rosa floriram antes do tempo – vocês já notaram? E não existe coisa mais linda que uma copa de ipê contra o céu azul. Cessam todos os pensamentos ansiosos e a gente fica possuído por pura gratidão de que a vida seja tão generosa em coisas belas. Ali, debaixo do ipê, não há nada que eu possa fazer. Não há nada que eu deva fazer. Qualquer ação minha seria supérflua. Pois como poderia eu melhorar o que já é perfeito?

Lembro-me das minhas primeiras lições de filosofia, de como eu me ri quando li que, para o Taoísmo, a felicidade suprema é aquilo a que dão o nome de Wu-Wei, fazer nada. Achei que eram doidos. Porque, naqueles tempos, eu era um ser ético que julgava que a ação era a coisa mais importante. Ainda não havia aprendido as lições do Paraíso – que quando se está diante da beleza só nos resta...fazer nada, gozar a felicidade que nos é oferecida.

Queria perguntar aos ipês das razões do seu equívoco. Será que, por acaso, não possuíam uma agenda? Pois, se possuíssem, saberiam que floração de ipê está agendada somente para o mês de julho. Qualquer um que preste atenção nos tempos da natureza sabe disto. Mas antes que fizesse minha pergunta tola ouvi, dentro de mim, a resposta que me dariam. Responderiam citando o místico medieval Ângelus Silésius, que dizia que as flores não têm porquês; florescem porque florescem. Pensei que seria bom se também nós fôssemos como as plantas, que nossas ações fossem um puro transbordar de vitalidade, uma pura explosão de uma beleza que cresceu por dentro e não mais por ser guardada. Sem razões, por puro prazer.

Mas aí olho para a mesa e um livro de capa verde me lembra que não vivo no Paraíso, que não tenho o direito de viver pelo prazer. Há deveres que me esperam. O que todos pedem de mim não é que eu floreça, como os ipês, mas que eu cumpra os meus deveres – muito embora eles me levem para bem longe da minha felicidade. Pois dever é isto: aquela voz que grita mais alto que minhas flores não nascidas – os meus desejos – e me obriga a fazer o que não quero. Pois, se eu quisesse, ela não precisaria gritar. Eu faria por puro prazer. E se grita, para me obrigar à obediência, é porque o que o dever ordena não é aquilo que a alma pede. Daí a sabedoria de dois versos de Fernando Pessoa. Primeiro, aquele em que diz: Ah, a frescura na face de não cumprir um dever! Desavergonhado, irresponsável, corruptor da juventude, deveria ser obrigado a tomar cicuta, como Sócrates! Não é nada disto. Ele só diz a verdade: só podemos ser felizes quando formos como os ipês; quando florescemos porque florescemos; quando ninguém nos ordena o que fazer, e o que fazemos é só um filho do prazer. E o outro verso, aquele em que diz que somos o intervalo entre o nosso desejo e aquilo que o desejo dos outros fez de nós.

No meu livro de capa verde estão escritos os desejos dos outros. Ele se chama agenda. Os meus desejos, não é preciso que ninguém me lembre deles. Não precisam ser escritos. Sei-os (isto mesmo, seios!) de cor. De cor que dizer no coração. Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno. Se preciso de agenda é porque não está no coração. Não é o meu desejo. É o desejo de um outro. Minha agenda me diz que devo deixar minha conversa com os ipês para depois, pois há deveres a serem cumpridos. E que eu devo me lembrar da primeira lição de moral ministrada a qualquer criança: primeiro a obrigação, depois a devoção; primeiro a agenda, depois o prazer; primeiro o desejo dos outros, depois o desejo da gente. Não é esta a base de toda a vida social? Uma pessoa boa, responsável, não é justamente esta que se esquece dos seus desejos e obedece os desejos de um outro – não importando que o outro more dentro dela mesma?

Ah! Muitas pessoas não têm uma alma. O que elas têm, no seu lugar, é uma agenda. Por isto serão incapazes de entender o que estou dizendo: em suas almas-agendas já não há lugar para o desejo. No lugar dos ipês existe apenas um imenso vazio. Há um vazio que é bom: vazio da fome (que faz lugar para o desejo de comer); vazios das mãos em concha (que faz lugar para a água que cai da bica); vazio dos braços (que faz lugar para o abraço); vazio da saudade (que faz lugar para a alegria do retorno).

Mas há vazio ruim que não faz lugar para coisa alguma, vazio-deserto, ermo onde moram os demônios. E este vazio, túmulo do desejo, precisa ser enchido de qualquer forma. Pois, se não o for, ali virá morar a ansiedade.

A ansiedade é o buraco deixado pelo desejo esquecido, o buraco de um coração que não mais existe: grito desesperado pedindo que desejo e coração voltem, para que se possa de novo gozar a beleza da copa do ipê contra o céu azul. Tão terrível é este vazio que vários rituais foram criados para se exorcizar os demônios que moram nele. Um deles é a minha agenda – e a agenda de todo mundo. Quando a ansiedade chega, basta ler as ordens que estão escritas, o buraco se enche de comandos, e se fica com a ilusão de que tudo está bem. E não é por isso que se trabalha tanto – da vassoura das donas de casa à bolsa de valores dos empresários? São todos iguais: lutam contra o mesmo medo do vazio.

“E vós, para quem a vida é trabalho e inquietação furiosos – não estais por demais cansados de viver? Não estais prontos para a pregação da morte? Todos vós para que o trabalho furioso é coisa querida – e também tudo o que seja rápido, novo e diferente – vós achais por demais pesado suportar a vós mesmos; vossa atividade é uma fuga, um desejo de vos esquecerdes de vós mesmos. Não tendes conteúdo suficiente em vós mesmos para esperar – e nem mesmo para o ócio” (Nietzsche).

Por isto ligamos as televisões, para encher o vazio; por isto passamos os domingos lendo jornais (mesmo enquanto nossos filhos brincam no balanço do parquinho), para encher o vazio; por isto não suportamos a idéia de um fim de semana ocioso, sem fazer nada (já na segunda-feira se pergunta: “E no próximo fim de semana, que é que vamos fazer?”); por isto até a praia se enche de atividade frenética, pois temos medo dos pensamentos que poderiam nos visitar na calma contemplação da eternidade do mar, que não se cansa nunca de fazer a mesma coisa.

Certos estão os taoístas: a felicidade suprema é o Wu-Wei, fazer nada. Porque só podem se entregar às delícias da contemplação aqueles que fizeram as pazes com a vida e não se esqueceram dos seus próprios desejos.

13 comentários:

  1. Com licença, irei fazer a higienização do meu orifício anal com tal obra literária, um momento.

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  2. Então aproveite para fazer uma higienização da bosta que respingou no seu cérebro, pq eu achei "tal obra literária" mto boa.

    Com licença.

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  3. Implicando que, se caísse bosta no meu cérebro ele teria sua capacidade de raciocínio no seu cérebro.

    Mauro, bosta é, literalmente, o que você escreveu, passar bem.

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  4. Farei a mesma coisa que o primeiro anonimo. Grande dica colega

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  5. Realmente lindo o texto e concordo bastante com ele, para o primeiro anônimo só digo que se não leu, não poste e se leu e não gostou, comente os porques

    Supondo que foi o tal Murilo que tentou trollar, acho aconselhavel descobrir qual o significado de "literalmente", descubra como estruturar uma frase decentemente e tambem é legal descobrir como usar "implicar" pois parece que tambem não tem a minima ideia de sua função

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  6. Farei a mesma coisa que o primeiro e o terceiro anonimo. Um minuto para eu usar o toalete.

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  7. GAbriel se você está com ciúmes, utilizarei sua dissertação também. Não se preocupe

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  8. Cara... Sério... Acho que todo mundo já percebeu que todos os "anônimos" que insistem em fazer comentários vagos, irrelevantes e desagradáveis neste post são a mesma pessoa desocupada que não tem nenhum argumento válido (como o Gabriel disse) para justificar o enorme desgosto que tem pelo texto. Na boa, se liga aí... Você tá muito irritado, nervoso, stressado. Relaxa, cara! Acho que você precisa "fazer nada" por uns instantes. Falou.

    P.S.: Adorei o texto!

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  9. Anonimo 1 reportando dentro.

    Para a infelicidade do Leo, só postei o primeiro comentário. Fico feliz de saber que outros simpatizam comigo, esse blog está se mostrando uma fonte rentavel de material para limpeza do meu anus. Se me dão licença, vou usar a critica do filme do Lars Von Trier para tal, junto com os comentários desfavoráveis desse post.

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  10. Pois é, "anônimo 1"... O mais engraçado é que todos os anônimos desse post tem o mesmo jeito de escrever, utilizam das mesmas ironias, exatamente da mesma forma. Que estranha coincidência, não? Hahahaha

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  11. Meu amor indicou este texto q acabei lendo...rs Achei interessante. Não concordo com alguns pontos, mas tudo serve para uma Boa reflexão! Devemos ler de tudo e extrair o q for útil pra nossa vida.
    Ah...sobre os comentários
    Gabriel...use o velho ditado bíblico "não discutir com o tolo, sob pena de se tornar mais tolo"
    E viva a leitura.

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  12. O texto nos aprofunda na verdadeira realidade de todas as pessoas que nao podem fazer oq desejam sem ser julgadas

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  13. Texto lindo indicado por Barbara Elias, mulher linda que amo de paixão ❤️

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