quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Acídia Mental

_____Quero lhes falar de outra desprezível comédia. Esta mais doença que graça abunda-se como epidêmico vírus que, de tão comum ou tão vergonhoso, faz-nos querer pensar que é congênito. Incansável, persegue a humanidade desde os primórdios, e mesmo após exposto seus vexaminosos sintomas, faz-se hoje ainda mais presente. Dizem ser mal de loira, ou de português, mas creio existir muitos outros partícipes deste escárnio. Refiro-me ao desprezo crônico ao conhecimento e o consequente amor a estultícia. O leitor ainda não contagiado, certamente já percebeu que quando deixamos de lado por um instante as fugacidades levianas da vida e nos dignamos a refletir acerca de alguma questão relativamente profunda, é raro encontrarmos um ouvinte que não responda um contratante “legal”, que de tão vazio rouba-nos a motivação.

_____Para os infelizes enfermos deste mal qualquer conjectura é sobremodo inútil. Do que lhes valeria o refletir se suas tediosas vidas se limitam a trabalhar, comer e dormir? (Tendo em vista a vida dessas, compreendo agora que não pensar priva-lhes do grande sofrimento de uma autoanálise) É por motivo de extrema necessidade, seja para o mercado de trabalho ou para escola, que murmurantes buscam algum conhecimento. Visando sempre o específico, limitam-se ao mínimo possível de exposição, como se corressem risco de morte. Estes odeiam os filósofos, fogem dos poetas, queimam livros e correm para suas igrejas, ligam suas televisões e acompanham a igualmente infeliz vida de seus ídolos. São uns hedonistas policiados por uma moral inquestionada.

_____O conhecimento lhes perdeu seu valor. Já não lhes importa mais o porquê das coisas. Os mistérios não intrigam. A instigação foi substituída pela trivialidade e indiferença. A vida não é mais um milagre, nem a flor, nem os pássaros, nem tempo, nem espaço são um milagre*. A memória se perdeu e tudo tornou-se tão insípido que seus dias são conscientemente repetitivos.“Já sabemos tudo o que precisamos saber”, dizem eles e piscam os olhos, confortabilíssimos em suas verdades.**

_____Procrastinação mental! Assim vivem estes amantes da ignorância. Balbuciando o que orgulham chamar de conhecimento adquirido. Lendo curiosidade infâmes, e repetindo frases que não reverberam em sua oquidão. Vazios, deitados de boca aberta esperam que das frondosas árvores dos meios de comunicação, lhes escorra melados frutos de ciência. Porém os frutos que lhes caem são mais amargos no estômago que os do Éden! Pois além de os matar, não lhes tornam semelhantes a Deus.***

_____Mas isto os tornam engraçados, pois mesmo repudiando a ciência vivem com se soubessem de tudo. Já repararam como tudo é muito óbvio e simples? Para quê complicar? Se o leitor tiver um dor de cabeça, uma cólica, ou até uma dor muscular, rapidamente lhe dirão o que deve fazer. Não apenas enfermidades brandas, até o incurável torna-se curável na boca deles. Todos sabem por que a Seleção perdeu. Todo mundo sabe como emagrecer em três semanas. Quem não sabe como findará um julgamento num tribunal? (Se brincar, já sabem quem é o culpado antes das investigações! Claro! Como o leitor não sabia?!). Vá a qualquer mesa de bar, lá você encontrará PHDs em manutenção de relacionamentos, mestres na formação dos filhos, dicas de economia, onde investir na bolsa de valores e as novas concepções da Teoria das Super Cordas. É tudo tão claro, tão simples, tão Wikipédia. Que é vergonhoso dizer “não sei” ou “não entendo” ou ainda “não faz sentido para mim”. Pior! Os detentores da verdade não só a pregam babando com caras e bocas de orgulho, como as defendem como se estivesse defendendo a moral de suas próprias mães! Se você tiver a insensatez de dizer um simples: “Não concordo” acabará entrando numa batalha épica acrescidas de gritos, tapas no ar, xingamento e até violência, como se a vida deles dependesse de seu convencimento/conversação. Imagino que tal desespero deve-se ao mútuo conhecimento de que não fazem a menor ideia do que estão tentando falar, com seus grunhidos.

_____E como se justifica todo esse místico saber? Com o aumento crescente de fontes de informação maciças e fáceis, perdemos o contato com a reflexão e a pesquisa em nossa formação. O estudo tonou-se algo enfadonho, perdendo lugar para os mercados de lazer e entretenimento. Hoje consideramos informação um sinônimo perfeito de conhecimento. Desprezando o fato do segundo exigir aplicados anos de esforço. Nesta acídia mental terceirizamos o serviço de pensar.

_____Acha que os doutores ou os mestres se salvam? Dentre eles estão os culpados da mais alta traição ao amor do saber. São seres cujos esforços buscam a promoção de seus egos. Olham uns para os outros com inveja, temendo serem considerados inferiores. Dormem pensando em quem esta fazendo mais sucesso. Se eles detêm algum conhecimento, este é inversamente proporcional a sua sabedoria.

_____Se existe culpa nesta desprezível realidade, esta se estende aos artistas, cientistas ou filósofos. Pois todas as observações da natureza, pesquisas científicas ou reflexões artísticas foram capitalizadas. Pela prática compra-se comprovantes de conhecimento, que sustentados em pilares dourados desmotivam o autodidata. Oh! Hipócrita monarquia intelectual, que fazes a ti mesma elite resguardada por academias de concorrência medrosa. És também culpada por gerar toda essa indolência.

_____Este texto carece de conclusão, já está por demais extenso. Mas não falta aos dedos mais parágrafos de indignação. Portanto deixarei a cargo do caro leitor esta tarefa. Saúde!


* Preparação para a morte de Manuel Bandeira,

** Assim Falava Zaratustra, Prólogo de Zaratrustra 5 de Nietzsche.

*** Gênesis capitulo 3


Guilhermy Frah, 3º Alfa - 2009

3 comentários:

  1. Muito bom mesmo! Adoro essas preparações do começo que causam um choque depois hahaha.

    E odeio concordar com um texto por que nunca acho nada de bom pra dizer, simplismente concordo. D:

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  2. hahaha! Boa! Muito boa mesmo! Essa é a realidade, nós (acredito) ou, admitindo, eu pelo menos, estou nessa realidade. E o que fazer para mudá-la ? Alguma vez na história da humanidade já ouve uma revolta bem sucedida de uma minoria absoluta ? Digo, aqueles que, em raros momentos ociosos, se deparam a ver a realidade de fora, ver o mundo que vive e simplesmente dizer o que eu disse, ou escrever um texto como Acídia mental.É a realidade. Comecemos a mudá-la por nós mesmos.Pequenos gestos. Para usar pelo menos UM chavão :"ainda tem gente boa nesse mundo".
    =D

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