Transformar a Educação
Era uma vez, um aluno de uma escola pública estadual que chamou seu amiguinho para cabular aquela aula chata de física – ou qualquer outra -; sentaram-se na simpática e mágica praça em frente a um dos prédios da escola e, revoltados, discutiam o quão absurdo era o fato de que um aluno de escola pública precisava fazer um quarto ano no cursinho, enquanto um aluno de escola particular tinha suas “necessidades acadêmicas”, aquelas impostas pelo vestibular, supridas em apenas três. E como a educação tava uma bosta, oh maldição. E todos viveram felizes, ou não, para sempre. Fim.
Essa história é fictícia e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
Essa reflexão para a qual os convido agora foi fruto de nossas reuniões de organização do protesto contra o SARESP. Durante as mesmas, e até mesmo durante o protesto, freei meu desejo de agarrar o megafone e contar a historinha supracitada para todos ali presentes. Não queria arriscar acalmar os ânimos de tamanha mobilização em prol da educação, que é – não é necessário falar muito sobre isso; já sabemos – essencial.
Todos sabemos da qualidade da nossa escola. Não é preciso ressaltar que nossos professores – ou boa parte deles – estão sim interessados na nossa formação e que não querem simplesmente nos fazer ingressar na top universidade ou ganhar bônus do SARESP; basta observar que nos são disponíveis diversos cursos gratuitos extracurriculares, e que ainda existem, mesmo que não sejam todos, bons profissionais que, independentemente do salário ridículo e das más condições de trabalho, cumprem obrigações básicas como pontualidade, cumprimento da grade, suprimento de dúvidas e, claro, ensinam e educam.
Agora, eu afirmo abertamente que todo esse conhecimento e boa educação que nos estão escancarados não são devidamente aproveitados. Vê-se diariamente aluno na praceta, aluno que nunca leva o livro para a aula e aluno que não faz lição de casa (é, galera, pra aprender direito, tem que fazer tudo isso). Garanto que, mesmo com a melhor educação posta em todas as escolas, com os melhores professores, melhor material didático, melhor infraestrutura, sem a questionável decoreba de fórmulas e datas históricas, com um sistema que desenvolva a potência individual de cada aluno, aqueles com essa postura indiferente continuarão precisando do quarto ano no cursinho e a educação continuará uma bosta. É extremamente fácil culpar nosso mau desempenho na deficiência da escola, no descaso do governo e no desrespeito aos estudantes; estamos errados? Não, não estamos, mas vale lembrar que boa parte deles, estudantes, é deficiente, negligente e desrespeitosa com aquilo que lhes é oferecido. Claro: fazer com que queiramos estudar, aprender e estar dentro da sala de aula está inserido nas competências do bom professor, mas esperar que isso venha de fora e não de si é hipócrita e extramente incoerente com nossa reivindicação do dia 17.
Como foi muito bem colocado durante o protesto, a educação também é feita pelos alunos. Se queremos transformar a educação, que sejamos transformados primeiro. Também dito durante o ato pelo anarquista da bateria, devemos revolucionar o cotidiano, “cotidianizar” a revolução; eu assino embaixo e completo: mais vale uma pequena ação consciente no dia-a-dia do que um grito de protesto que não condiz com nossos atos. Já disse isso uma vez aqui, e vale a pena repetir, que ideias de nada valem se a ação não corresponde.
Um dos bons profissionais, com o comportamento que descrevi há pouco, dá aulas para minha turma e meu ano. Disse que, para podermos criticar algo que está deficiente, não podemos estar na mesma situação em relação às obrigações que nos cabem. “Tem que ser cem por cento”. E foi por essas pessoas cem por cento e por todos que podem sê-lo que me impostei contra o SARESP na última quarta-feira.
Creio que me fiz entendida. E, antes que digam “Giu, você cabula às vezes, não faz lição sempre e não leva livros nunca”, saibam que, se apontei meu dedo pra alguém, o primeiro que viu meu dedo foi o espelho. Propus me transformar e proponho pra quem estiver lendo. Vamos transformar a educação!
p.s.: meu sinceros agradecimentos a todos os que, mesmo ouvindo dos amigos, dos pais e de alguns professores que o ato não ia ter resultados, não desistiram e se apresentaram com muita energia. Muito obrigada.
(Giulia, segundo épsilon)