Quando criança, com os meus cinco anos, adorava entrar nos quartos de minhas tias e de minha avó para revirar suas maquiagens. Minhas tias, muito vaidosas, tinham estoques fartos de batons, sombras e pós compactos. Já a coleção de minha avó era mais humilde: lembro-me de um batom de um tom vermelho rosado, bem forte, de um pote antigo de pó-de-arroz e de uma caixinha de plástico vermelho transparente, que sempre exigia esforço extra de minhas mãozinhas infantis para vasculhar seu conteúdo.
Eu era a mais nova das netas de minha avó, que já tinha seus 70 anos na época. Ela não costumava usar nenhum tipo de maquiagem, e suas roupas eram sempre muito parecidas, sem nada que chamasse a atenção. Por isso, ao abrir com dificuldade as gavetas daquela penteadeira com espelho enorme, e em especial ao olhar aquele batom vermelho, descobria sem perceber um outro lado de minha avó, que possivelmente os anos levaram pra dentro, pra algum canto esquecido na memória, como aquele pó-de-arroz de muitos anos atrás.
Dentro da caixinha vermelha também ficavam alguns brincos, a velha aliança (àquela altura, a vó já era viúva), um relógio parado e o objeto que prendia minha atenção: um broche de borda dourada e centro colorido, como um mosaico.
E foi atrás desse broche que me peguei revendo minhas lembranças de infância: a vó trocou os móveis de seu quarto, mandou embora o velho guarda-roupa, a cama dura e a penteadeira em frente a qual passei tantas tardes dos meus cinco anos. Essa mudança já estava para completar um ano quando me lembrei daquele broche. Onde ele poderia ter ido parar? Será que tinha ido embora com as gavetas?
Voltei aos cinco anos, esperando todos irem fazer alguma coisa que não me dispensasse atenção e me esgueirando para o quarto da vó, que agora tem uma cama macia, guarda-roupa moderno, cômoda com espelho de corpo inteiro e criado mudo. Primeiro fui às gavetas da cômoda. Olhei uma por uma, mas, entre roupa de baixo e livros de orações, nem sinal do broche. Voltei-me então ao criado mudo. Primeira gaveta, nada. Segunda gaveta, nada. Terceira gaveta, lá estava. Junto ao velho relógio, ao pote de pó-de-arroz e à caixinha de plástico vermelho transparente, que agora não oferecia nenhuma resistência às minhas mãos.
Era como se eu estivesse de frente à penteadeira, vendo as gavetas abertas e seus conteúdos exatamente como eram organizados. Lembrei de minha mãe ralhando para que não mexesse nas coisas da vó e comentando entre risadas com minhas tias minha vocação para “perua”, ao me verem com o batom vermelho borrado. As saudades que senti, guardei na caixinha vermelha e deixei por lá, esperando um dia que a vergonha fosse embora e me deixasse pedir o broche, que fica lá sozinho, pra vó.
Laura Viana - 3º Alfa